quinta-feira, 18 de julho de 2013

[música legendada] Canão foi tão bom (Sabotage)


Até o momento, a versão que conhecemos de “Canão foi tão bom” é uma versão demo. Até que saia o esperado disco póstumo, Maestro do Canão, esta é a única versão de que nós, fãs do Maurinho, dispomos. Não há também, como é óbvio, nenhuma versão oficial da letra, de modo que em vários sites a letra de “Canão foi tão bom” ou possui muitos erros ou está incompleta. Ouvi a canção muitas vezes, transcrevi a letra e a comparei com as outras versões que há por aí. Sabendo se tratar de um trabalho ingrato, não tenho a presunção de fixar ou oficializar a letra de “Canão foi tão bom”, mas tenho a intenção de, pelo menos, contribuir para melhor apreciação deste rap, o qual acredito ser uma das melhores músicas de Sabotage.

Quanto à arrumação dos versos e das estrofes, levei principalmente em consideração o fôlego e a respiração de Sabotage para fixá-los. Pode parecer um critério demasiado subjetivo - e é, de certa forma -, mas não creio que haja critério melhor com o material que possuímos.

Há vários trechos da letra que são de difícil resolução e que por isso mesmo valem a pena explicar por que optei por uma saída e não por outra. Vamos a eles. 

O primeiro ponto tem a ver com o título da canção. Admito que não faço ideia se Sabotage a intitulou desta forma ou se alguém lhe deu este nome por causa do primeiro verso. De qualquer forma, preferi não mexer no título, deixei-o sem a vírgula que coloquei no verso. Coloquei esta vírgula (Canão, foi tão bom,) por achar que o “Canão” da letra é o interlocutor para quem Sabotage está cantando. 

Segundo ponto: O Dom dá opinião: a vida é a sua cara. Por que preferi colocar o verbo “dar” flexionado ao invés de “da”? Por achar que Dom, neste caso, é um sujeito, é um personagem assim como Dão e Jão, é alguém que “dá opinião”, uma vez que, para mim, “o dom da opinião”, ou seja, a habilidade de dar uma opinião, não me parece lógico dentro do que a estrofe “quer dizer”.

Terceiro ponto – e um dos mais difíceis:

Jamais a ideologia falha ganha 
a quem produz um som de Jão pros tio, né, Ganja?

Para Guilherme Junks, autor do texto “Canão foi tão bom…” (leia aqui), estes versos são arrumados assim: “Jamais a ideologia falha; / ganha quem produz um som de jão pros tio, né Ganja?”. Percebam: na minha proposta, “falha” é um adjetivo, enquanto na proposta de Guilherme, “falha” é um verbo. Na minha versão, a ideologia falha jamais ganha de quem produz um som de Jão pros tio (embora eu não tenha colocado “de” na transcrição do rap porque ele não canta assim, ele canta “a quem”). Na versão de Guilherme Junks, a ideologia jamais “falha”, e quem “ganha” é quem produz “um som de Jão pros tio”. O meu critério foi o de perceber o encadeamento das palavras na oralidade dos versos, e por isso cheguei a tal sugestão. Não sei precisamente qual foi o critério de G. Junks, embora ele escreva algo sobre: “Entendo que o Sabota quis dizer que o vencedor é o que consegue passar a mensagem da comunidade/do RAP (“som de jão”) pros que tão fora dela (“os tio”), mas sem perder a ideologia (“jamais a ideologia falha”)”. De todo modo, acho que as duas versões coexistem e criam assim uma polêmica interessante.

Ainda na quarta estrofe (proposta por mim), há um trecho que não entendi, e por isso mesmo preferi deixar com uma interrogação: Falar (?) do bairro onde eu nasci, que agrada, e pá. Algumas versões facilmente encontradas propõem: Falar podre do bairro onde eu nasci, que agradei, pá”, mas sinceramente não creio que esteja correto, sobretudo porque a palavra “podre” coloca uma contradição enorme neste trecho.

Outro trecho complicado está no refrão. Optei, no fim, por: “Se decompõe, e se / a gente faz, corre atrás…”, mas também tinha transcrito: “Se decompõe em si. / A gente faz, corre atrás…

Há muitos outros trechos que podem gerar discussão. E isto é ótimo. Não como tem defender veementemente opções como, por exemplo,

Essa é a sina.
Destino indica a correria de um homem.
Alternativa. 
Pra criança aprender, basta quem ensina.

que poderiam muito bem (como observou João Daniel, companheiro aqui do blog) possuir “dois pontos” ao invés de pontos finais:

Essa é a sina:
destino indica a correria de um homem.
Alternativa: 
pra criança aprender, basta quem ensina.

Como disse no começo do texto, segui o critério da respiração e coloquei pontos finais por achar que, na música, estes versos soaram mais “marcados” e “pausados” do que contínuos – uma vez que eu penso que os dois pontos poderiam ‘ligar’ os versos ao invés de separá-los ou demarcá-los.

Quanto à grafia do texto, considerei unicamente a maneira de Sabotage cantar. Supostos erros de concordância foram sumariamente ignorados, pois privilegiei a cadência rítmica da oralidade do mestre Sabote.


*

CANÃO FOI TÃO BOM
  
Canão, foi tão bom,
poder falar pro Dão, que aprendi com Jão,
como obter mais alegria, cara, sempre informação.

Sangue puro e bom.
Pras droga basta um simples não.
O Dom dá opinião: a vida é a sua cara.

Eu me dou bem no som - na raça, um ‘spectron’...
Quem sai do rojão?
É, tio, sem drama…
Face a face com o subúrbio.
O Mandarim, Sabote, o Maurin, o Núcleo.

Registra e mete a cara.
Jamais a ideologia falha ganha
a quem produz um som de Jão pros tio, né, Ganja?
Falar (?) do bairro onde eu nasci, que agrada, e pá.
A mesma viatura pra enquadrar.

Lembrar das mina: mulher, vocês são linda.
Paz periferia.
A criançada agita, pula amarelinha.
A guila gira.
Ciranda, cirandinha.
É muita treta.
Talvez melhor que um menas treta.

Brooklyn, o que será de ti?
Regar a paz, eu vim.
Jesus já foi assim.
Brigas traz intriga, ai de mim, se não, tolin,
Zé Povim quer meu fim.
Se esperar, apodrece.
Se decompõe, e se
a gente faz, corre atrás, pede a paz, eles esquece.
Sempre assim. Crocodilo hoje se arrasta em solo férti.

Crime, ouro, dólar. Bola fora, esquece.
Os vermes, eleito querem,
seus votos preferem.
Paralisia infantil no morro cresce.
Ele observe: o que lhe impede do confere?
A mãe? O pivete? Sujeito mais que pede breque?
Se eu tô com frio, fome, fúria, trombo, clique-clack.
Sei que eles doam, mas não pros morros, pra Unicef.
Pobre esquece.
A mãe maior nos aparece e pede.
O fim maior está tão breve.
"Filho, então que reze, anda ló”.
Vejo na maló.
Ó só, ainda mais pobre do que eu, ai que dó.

Na parte de cima.
Morro da Macumba. Catarina.
Sem estudo, liga.
Criança, coroinha.
O medo, vejo se aproxima.
Às vez não tem nem pista, veja só que fita,
ele desceu da lotação, sofreu chacina.

No bolso uma anistia.
De butucão, beque do bom.
Um beque muito louco e a maldita.
A heroína, a tal da bomba da Hiroshima.

Aqui se faz o fim pra periferia.
Melhor jogar pra cima que tomar.

Tio, vou falar.
Delito óbvio.
Sangue, suor, amor e ódio.
Roubada.
Se não ter fé, tio, se tranca em casa.
E não saia.
Ligue a TV, talvez você vai ver.
Pode crê, me vê num outdoor.
Querem me pegar pra ló.
Vê se po-de?
O menor problema, saiba que é maló.
Dou valor pos pó.
Ter dó de quem vem se arriscar na vida bandida,
o custo de vida, dá laço sem nó.
Lembra a vó. Ó, dá mó dó.
Criança na periferia vive sem estudo e só.
À mercê da mó, tio - tri-Sabó.
Do Mandarin de vol-
ta pra rima, voz bem lá em cima.
Essa é a sina.
Destino indica a correria de um homem.
Alternativa.
Pra criança aprender, basta quem ensina.

Essa é a verdade,
criança aprende cedo a ter caráter.
A distinguir sua classe.
Estude, marque, seja um mártir.
Às vezes um Luther King, um Sabotage.

Brooklyn, o que será de ti?
Regar a paz, eu vim.
Jesus já foi assim.
Brigas traz intriga, ai de mim, se não, tolin,
Zé Povim quer meu fim.
Se esperar, apodrece.
Se decompõe.
E se a gente faz, corre atrás, pede a paz, eles esquece.
Sempre assim. Crocodilo hoje se arrasta em solo férti.

Um comentário:

  1. Na quarta estrofe, eu entendi como "falavam ali do bairro onde eu nasci".O que poderia significar, se baseando na sequencia da musica, que falavam que o bairro era bom, mas ainda se tinha 'a mesma viatura pra enquadrar', ou seja, nada mudou nem mesmo com o bairro tendo melhorado.
    Isso que eu entendi, não tenho certeza. rs
    E muito bom o Blog, de verdade!!!

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