sexta-feira, 1 de novembro de 2013

[música legendada] Kick, Push (Lupe Fiasco)


Para a sorte historiográfica de muitos artistas, o maior de todos eles - em todos os sentidos e em todas as artes -, surgido nos últimos 15 anos, despontou antes do século XXI começar. Logo, é só em rankings do tipo "Os melhores surgidos no século XXI" que ele pode ser passado para trás. Seu primeiro álbum não muito interessante foi lançado em 96, mas é com o seu clássico de 99 que ele vem à tona com força. Eu tô falando do Slim Shady LP - eu tô falando do Eminem.

Mas a música traduzida de hoje é do Lupe Fiasco. Em se tratando de estréias dos anos 2000, tivemos grandes nomes como Kanye West e 50 cent, além de Sabotage aqui no Brasil, e é curioso como na cultura hip-hop existe um quase consenso no fato de que muitos álbuns primeiros costumam ser, em geral, os melhores de seus respectivos rappers. Desde o N.W.A. na década de 80, passando por Dr. Dre, Snoop Dogg, Nas, Notorious B.I.G. ou Lauryn Hill na década de 90, os casos são muitos. Na primeira década deste século, os próprios supracitados não fogem à regra (à exceção de West - é impossível decidir qual seu melhor trabalho), e Fiasco é um deles.

Natural de Chicago, Lupe Fiasco parece manter uma razoável "tradição" aqui - a tradição do chamado rap consciente. Aquele rap que Barack Obama respeita. Aquelas canções de rap que criticam temáticas pilares no estilo gangsta: apologias a drogas e violência, misoginia, homofobia, etc. Common (já traduzido aqui), grande inspiração de Fiasco, é de lá também - desde meados de 94 que ele já criticava o gangsta shit. Sem falar de Kanye West, um dos primeiros defensores do fim da homofobia na cultura hip-hop, e um cara que fez um hoje clássico chamado Jesus Walks (com o curioso argumento de que "as pessoas tão falando demais de drogas, dinheiro, poder, sexo, precisamos falar mais de Jesus") - apesar de ter crescido em Detroit, nasceu em Chicago também.

Dizem que Fiasco fala por metáforas. Nessa faixa, que trata aparentemente da vida de jovens skatistas, poderia-se verificar um significado implícito. Muito provavelmente, talvez, o mundo do tráfico. De como ele começou ainda criança, vendo o movimento nas ruas, de como se deu mal no começo, de como pegou o jeito e de como aquilo o fascinou e o fez subir à cabeça. No começo, Fiasco diz "Eu dedico essa aqui / Pra todos os parceiros fazendo "grind" lá fora / Tá ligado no que eu falo? / Legal e ilegal", e esse último verso nos faz crer que a metáfora é de fato clara. O grind é uma manobra do skate que consiste em deslizar em barras de ferro ou similares. No clipe, no momento em que Fiasco fala essa parte, vemos os parceiros atrás de grades verticais, o que remeteria à prisão - outra dica que seria, em tese, infalível. Além do mais, ao final de cada uma das três partes da música Fiasco canta sobre a postura contra o seu "hobby" representada por três elementos: primeiro os "incomodados vizinhos"; segundo, o segurança de um "lugar estranho"; e, por fim, os policiais.

Apesar disso, muitas coisas, sobretudo o clipe, pesam contra esse duplo sentido e fazem crer que, no final das contas, é só uma música sobre skatistas mesmo. Ainda que o seja - e o é muito bem feita  -, fica óbvia a reflexão sobre as pequenas opressões do dia-a-dia nesses ambientes - e "opressão" é um termo pesado, mas, nesse caso, insubstituível. Pode não ser uma metáfora no estilo "duplo sentido", mas não deixa de sê-la no estilo "para além do que se vê".

Vale frisar a pequena homenagem a Nas, outra grande referência de Fiasco, no trecho "...the world was theirs" (O mundo era deles) - naturalmente, trata-se de uma alusão ao The World is Yours, do Illmatic.

Um comentário: